quarta-feira, 13 de outubro de 2010

... E para todo o sempre.

Esse é o texto inaugural do blog. Não está escrito tão detalhadamente quanto eu queria que fosse, já que achei por bem não fazer algo grande demais. Para um aproveitamento melhor, recomendo que ouçam a música primeiro acompanhando a letra (segue o link adiante), tentem pensar em que situação ela estaria retratando e só depois leiam o texto.





Música: "Conversa de Botas Batidas - Los Hermanos"
Link (letra e video): http://letras.terra.com.br/los-hermanos/67554/




"É chegada a hora". Evêncio, um advogado em seus muito bem vividos 67 anos de idade, sai de seu escritório às 21:00 horas todos os dias... ou melhor, deveria sair às 21:00 horas todos os dias. Entretanto, assim como vários e vários dias anteriores nos últimos 5 anos, hoje é mais um daqueles dias em que ele precisa sair mais cedo. Excepcionalmente hoje, bem mais cedo. É o aniversário de 63 anos de Raquel, e um programa especial para sua amada Evêncio havia preparado de todo o coração.

Fazia algum tempo em que não se via Raquel tão radiante e com um sorriso de orelha-a-orelha tão espontâneo quanto hoje. Na hora marcada, estava lá esperando seu amado com grande ansiedade no restaurante, situado em outro canto da cidade, onde iriam se encontrar. Para ela, não havia dúvidas: estava realmente o amando.

Evêncio chegou pouco depois de Raquel, um pequeno atraso devido ao trânsito da hora do rush. Ao se virem, abraçaram-se ternamente, perceptivelmente em paixão. "O amor é algo tão intenso para algumas pessoas!". E, assim, tiveram um jantar recheado de conversas apimentadas com ar de "quase-pureza" de namoro de adolescente. E eis que Evêncio fala:

- Venho pensando bastante... Muito mesmo nesses últimos meses... E acabei chegando a uma conclusão. Por fim, decidi. É você quem eu quero! Quero largar de minha esposa para ficar com você pelo tempo que durar, para o que restar de minha vida e para todo o sempre! Só não sei se posso... ou consigo...

Raquel ficou sem palavras. Realmente não esperava tal declaração, se bem que mesmo ela também estava cogitando abandonar seu marido, entretanto estava não com um mas com os dois pés atrás, já que ele era um bom marido e pai exemplar para seus filhos, já crescidos. Não mais que alguns segundos se passaram e Raquel tinha sua resposta na ponta da língua: "Eu também, mas, assim como você, também não sei se consigo...".

E então, saindo do restaurante, foram ao mesmo velho motel que já há 5 anos frequentam para se ver longe dos olhos "conservadores" da sociedade. Entraram e subiram ao quarto do andar de cima, o mesmo de todas as vezes, o seu lugarzinho secreto, o refúgio de seu amor proibido. E era lá onde tudo acontecia, onde o amor entre os dois podia se manifestar sem censuras.

Algum tempo se passou desde que entraram no quarto e começaram a aproveitar seus momentos de intimidade. Então, ouviram um ruído suspeito e um leve tremor nas paredes e no chão do quarto. Ambos não sabiam do que se tratava, mas também não se interessaram em saber e, novamente, a atenção de um voltou-se ao outro. Mais um ruído e um tremor mais forte. E de novo. E novamente. Durante uma nova série de ruídos e tremores, um rapaz bateu desesperadamente à porta do quarto:

- O prédio está desabando!! Saiam daqui agora!!

A princípio, Evêncio e Raquel ficaram nervosos. "Se não sairmos daqui agora, vamos os dois morrer!". O teto começou a ruir e pedaços de telhas e concreto caiam dentro do quarto, acobertando-o com uma nuvem espessa de poeira. Evêncio percebeu rapidamente que, mesmo se tentasse, muito provavelmente não haveria chance de escapar com vida dali. Neste momento, parou lentamente de se agitar e olhou calmamente para o rosto amedrontado de Raquel, que, tomada pela repentina serenidade estampada no semblante de seu amante, contagiou-se daquela estranha calmaria. Nisso, Evêncio tomou a iniciativa da fala:

- Veja só onde o barco foi desaguar! A gente só queria um amor... Deus parece às vezes se esquecer...
- Ai, não fala isso, por favor!
- Esse é só o começo do fim da nossa vida... Veja você, quando é que tudo foi desabar! A gente corre pra se esconder e se amar, se amar até o fim sem saber que o fim já vai chegar. Deixa o moço bater, que eu cansei da nossa fuga. Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar.

Raquel, então, entendeu o que Evêncio quis dizer com isso. Entendeu o que ele quis dizer quando disse mais cedo no jantar que queria ficar com ela o tempo que durar, até o fim de sua vida e para todo o sempre. E, assim, ela já não sentia mais nenhum medo, junto a seu amado sentia-se totalmente segura dentro de um prédio desabando. E declarou:

- Diz, quem é maior que o amor? Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora. Vem, vamos além! Vão dizer que a vida é passageira sem notar que a nossa estrela vai cair.

Por fim, aquele amor ganhou seu lugar eterno dentro daquele velho quarto de motel, todo em ruínas e coberto de escombros.

2 comentários:

  1. Eu ri no "Deixa o moço bater, que eu cansei da nossa fuga". Adorei o blog. Pode escrever sempre, que eu leio do lado de cá.
    Saudade imensa!

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  2. Lindo, lindo, me fez arrepiar!
    ótima escolha de música!

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